A Reforma Tributária da Emenda Constitucional n.º 45-2019: O “IVA dual” brasileiro

O “IVA dual” brasileiro é a somatória de dois tributos incidentes sobre o “valor agregado” de cada operação de venda de produtos ou de prestação de serviços: a CBS e o IBS.

1) O que é e o que substitui?

      Como dito no artigo da semana passada a Emenda Constitucional n.º 45/2019 “(…) prevê, mojaritariamente, a modificação significativa dos tributos incidentes sobre os ingressos financeiros decorrentes da comercialização de bens e serviços (consumo) (…)”, haja vista que também altera o IPVA, o IPTU e o ITCMD.

      Nesse contexto, o cerne e ponto de partida das alterações estruturais tributárias pretendidas em relação direta ao contribuinte é a substituição do IPI, PIS COFINS, ICMS e ISS por uma tributação direta sobre a base de cálculo “valor agregado” composta por dois tributos, cada qual com sua alíquota própria, modificando, assim, a forma da tributação sobre o consumo.

      Esse tributo duplo sobre o “valor agregado” é o denominado “IVA dual”, composto de: (1) uma contribuição federal sobre Bens e Serviços – a CBS – substituindo IPI, PIS e COFINS e (2) mais um imposto estadual e municipal – o IBS – sobre Bens e Serviços substituindo ICMS e ISS.

      Assim, com o “IVA dual” brasileiro pretende-se trocar toda a tributação incidente hoje isoladamente sobre cinco tipos jurídicos de ingressos financeiros (cinco fatos geradores diferentes: a venda de produtos industrializados do IPI, o faturamento do PIS, a receita bruta da COFINS, a circulação de mercadorias do ICMS e a prestação de serviços do ISS) pela dupla incidência tributária sobre um único fato gerador: o “valor agregado” de cada operação de venda de produto ou de prestação de serviços (financeiramente medido), mediante a incidência da contribuição federal da CBS e do imposto estadual ou municipal do IBS.

      Dessa forma, pode-se descrever o “IVA dual” brasileiro como a somatória de dois tributos incidentes sobre o “valor agregado” de cada operação de venda de produtos ou de prestação de serviços, que, por sua vez, substituirá a tributação dos ingressos financeiros do contribuinte (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) pela tributação dos valores financeiros que ele acresce ao desenvolver suas atividades econômicas (CBS e IBS).

      2) Como funcionará?

      De acordo com o que se tem no texto da Emenda Constitucional n.º 45/2019 aprovada pela Câmara dos Deputados, o “IVA dual” brasileiro (CBS + IBS) será: (i) não cumulativo, (ii) com creditamento amplo, (iii) calculado “por fora” e (iv) cobrado no destino.

      Tais características estruturais de apuração do “IVA dual” brasileiro podem ser assim explicadas:

      (i) não cumulativo significa dizer que na apuração dos tributos a serem pagos pelo contribuinte serão descontados os valores dos tributos que compuseram os custos dos insumos adquiridos para realizar sua atividade econômica, além do que, por terem o mesmo fato gerador, um não comporá a base de cálculo do outro;

      (i.1) como é hoje: tem-se uma forma de não cumulatividade para  o IPI e o ICMS (tax on tax), mas que ainda contam com regras próprias para cada um deles, e outra modalidade de não cumulatividade para PIS e COFINS (base on base), sendo o ISS cumulativo, além do que, por terem fatos geradores diferentes, esses tributos acabam por compor as bases de cálculo uns dos outros (com exceção do ICMS que foi retirado da base de cálculo do PIS e da COFINS por determinação do Tema de Repercussão Geral 69 do STF);

      (ii) com creditamento amplo importadeterminar que a não cumulatividade vai acontecer em relação a tudo que for considerado insumo da atividade econômica do contribuinte;

      (ii.1) como é hoje: existe uma série de restrições ao creditamento dos tributos não cumulativos estipuladas pela legislação e interpretações administrativas e judiciais;

       (iii) calculado por fora impõe que os tributos não componham suas próprias bases de cálculo ao serem calculados (não serão calculados “por dentro”);

      (iii.1) como é hoje: o ICMS é calculo “por dentro”, de modo que o valor do tributo é incluído na sua própria base de cálculo;

       (iv) cobrado no destino determina que os tributos serão pagos nos estados e municípios em que estiverem os destinatários das mercadorias vendidas e dos serviços prestados (onde está o adquirente);

      (iv.1) como é hoje: o ICMS e o ISS são, em regra, recolhidos no estado de origem da circulação da mercadoria e no município de origem do prestador de serviços (onde está o fornecedor).

      Ademais, há outro ponto estrutural “IVA dual” brasileiro tratado apenas de forma inicial e insuficiente pela EC n.º 45/19, qual seja: as alíquotas da CBS e do IBS.

      Isso porque o texto aprovado na Câmara dos Deputados apenas cria o limite de 3 possibilidades de quantificação para elas (uma alíquota geral única para todo território nacional, outra alíquota reduzida em 60% da geral e uma terceira alíquota zero) e determina alguns setores que estarão, necessariamente, atrelados à alíquota reduzida ou à alíquota zero, transferindo a competência para a regulamentação de tal tema para futura Lei Complementar.

      Dessa forma, o “IVA dual” brasileiro tem sua estrutura quase toda pautada pela EC n.º 45/19, porém, a determinação específica de seu impacto para cada contribuintes individual somente poderá ser feita após a promulgação de Lei Complementar que regule os pontos falantes em relação à quantificação das 3 alíquotas possíveis e da delimitação do enquadramento dos setores econômicos.

      3) Como acontecerá a transição?

      Conforme determina a Emenda Constitucional n.º 45/2019 aprovada pela Câmara dos Deputados, a transição do modelo atual (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) para o “IVA dual” brasileiro (CBS + IBS) será dividida em fases para cada um dos tributos que compõe a nova estrutura da tributação sobre o consumo.

      Para a CBS ter-se-á: (1) durante o ano de 2026 será cobrada a uma alíquota teste de 0,9% juntamente com IPI, PIS e COFINS, permitindo a compensação daquela com esses tributos; (2) a partir de 2027 haverá a extinção do PIS e COFINS e o IPI passará a vigorar com alíquota zero (menos para produtos da Zona Franca de Manaus); e (3) a partir de 2033 haverá a extinção do IPI.

      Já para o IBS ter-se-á: (1) entre 2026 e 2028 será cobrado a uma alíquota teste de 0,1% juntamente com o ICMS e o ISS, sendo permitida a dedução e a compensação dele – IBS – com os tributos federais ou seu eventual ressarcimento; e (2) entre os anos de 2029 e 2032 o ICMS e o ISS (bem como seus correlativos benefícios fiscais) serão reduzidos em 10% por ano até serem extintos em 2033.

      Assim, como se percebe do “cronograma da Reforma” as alterações na tributação sobre o consumo serão escalonadas e interseccionadas em períodos diferentes para a CBS e para o IBS até serem totalmente exauridas, o que, a meu ver, será menos impactante para os utentes do “material tributário brasileiro”, independentemente, das discussões e questionamentos jurídicos que devem surgir.

      4) O que não será alterado?

      Inobstante a Emenda Constitucional n.º 45/2019 aprovada pela Câmara dos Deputados pretenda gerar mudanças estruturais na tributação sobre o consumo, substituindo IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS por um “IVA dual” (CBS + IBS), existem “regimes especiais de tributação” cujos “diferenciais tributários” gerados para o contribuinte não poderão ser afetados por ela.

      Em termos gerais, a Reforma Tributária sobre o consumo mantém: (1) o Simples Nacional, (2) a figura do Produtor Rural (com possibilidade de sua modalidade integrada aderir ao IVA para geração de créditos presumidos para seus adquirentes), (3) o “diferencial competitivo tributário” da Zona Franca de Manaus e (4) o “diferencial competitivo tributário” das áreas de livre comércio estabelecidas até 31/05/2023.

      Nesse contexto, o que se pode afirmar é que a EC n.º 45/19 determina a manutenção dos “sistemas de tributação” das categorias acima citadas a partir dos resultados financeiros obtidos com eles, sem, necessariamente, determinar a manutenção de suas estruturas de apuração. Razão pela qual entendo que mudanças operacionais acontecerão, até mesmo porque a substituição de 5 tributos por 2 já assim se configura.

      5) Regimes diferenciados previstos

      A Emenda Constitucional n.º 45/2019 aprovada pela Câmara dos Deputados cria a estrutura geral do “IVA dual” brasileiro (CBS + IBS), mas, determina, também, a criação, por futura Lei Complementar, de regimes diferenciados desses tributos para dadas atividades econômicas, por ela enumeradas.

      Nessa linha, deverão receber tratamento diferenciado as operações relacionadas a:

      (1) Combustíveis e lubrificantes, com regime monofásico de tributação;

      (2) Serviços financeiros;

      (3) Operações com bens imóveis;

      (4) Planos de assistência à saúde;

      (5) Concursos e prognósticos;

      (6) Operações contratadas pela Administração Pública direta, autarquias e fundações;

      (7) Sociedades cooperativas;

      (8) Serviços de hotelaria, parques de diversão, parques temáticos, restaurantes e aviação regional.

      Assim, as atividades econômicas acima descritas terão algum “diferencial tributário” do modelo do “IVA dual” desenhado pela EC 45/19, que não foram previstos, mas, que deverão respeitar os limites estruturais por ela postos. O que me leva a crer que tal diferença deverá ser implementada em relação: (1) à incidência (sobre a sua não ocorrência ou concentração – isenção ou regimes monofásicos); (2) à alíquota aplicável ou (3) aos créditos tributários passíveis de serem utilizados em suas apurações.

      Aguardemos avançando!!!

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