1) Bens e serviços de “uso ou consumo pessoal”
Como a caracterização de um bem ou serviço como sendo “de uso ou consumo pessoal” é o único limitador constitucional da não cumulatividade da CBS e do IBS, a Lei Complementar n.º 214/2025 criou uma seção específica para tal regulamentação dentro da regulamentação do “regime regular” (Seção XIII, do Capítulo II, do Título I, do Livro I).
Não obstante a atenção dispensada ao tema, a Lei Complementar n.º 214/2025 não estabeleceu expressamente uma definição do conceito de “uso e consumo pessoal”, abordando indiretamente tal conceito nos §§ 3.º e 4.º, de seu art. 57, ao indicar que para assim serem classificados devem os bens e serviços (i) não serem “utilizados preponderantemente na atividade econômica do contribuinte” ou (ii) não estejam “relacionados ao desenvolvimento da atividade econômica”.
Assim, no contexto da Lei Complementar n.º 214/2025 pode-se afirmar que ser de “uso e consumo pessoal” é não se relacionar com relevância ou essencialidade para a execução de dada atividade econômica (nos moldes do que disciplinou o STJ em seu Tema 779 de Recurso Repetitivos para a caracterização de insumos para créditos de PIS/COFINS).
Desse modo, para CBS e o IBS será de “uso ou consumo pessoal” o bem ou serviço transacionado em operação onerosa (ou a ela equiparada) que não seja relevante ou essencial para a execução da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.
Nesse contexto, não obstante falte descrição expressa do conceito de “uso ou consumo pessoal” na Lei Complementar n.º 214/2025, tal diploma legal estabelece em seu art. 57 que são de “uso ou consumo pessoal” os bens e serviços: (1) enumerados nas alíneas do inciso I e (2) adquiridos de forma não onerosa ou abaixo do valor de mercado para os sujeitos enumerados nas alíneas do inciso II, além de usar os parágrafos de tal artigo (57) para exemplificar ou excluir dadas situações das categorias previstas nos respectivos incisos.
Veja-se:
Art. 57.Consideram-se de uso ou consumo pessoal:
I – os seguintes bens e serviços: a) joias, pedras e metais preciosos; b) obras de arte e antiguidades de valor histórico ou arqueológico; c) bebidas alcoólicas; d) derivados do tabaco; e) armas e munições; f) bens e serviços recreativos, esportivos e estéticos;
II – os bens e serviços adquiridos ou produzidos pelo contribuinte e fornecidos de forma não onerosa ou a valor inferior ao de mercado para: a) o próprio contribuinte, quando este for pessoa física; b) as pessoas físicas que sejam sócios, acionistas, administradores e membros de conselhos de administração e fiscal e comitês de assessoramento do conselho de administração do contribuinte previstos em lei; c) os empregados dos contribuintes de que tratam as alíneas “a” e “b” deste inciso; e d) os cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, das pessoas físicas referidas nas alíneas “a”, “b” e “c” deste inciso.
§ 1º Para fins do inciso II do caput deste artigo, consideram-se bens e serviços de uso ou consumo pessoal, entre outros:
I – bem imóvel residencial e os demais bens e serviços relacionados à sua aquisição e manutenção; e
II – veículo e os demais bens e serviços relacionados à sua aquisição e manutenção, inclusive seguro e combustível.
§ 2º No caso de sociedade que tenha como atividade principal a gestão de bens das pessoas físicas referidas no inciso II do caputdeste artigo e dos ativos financeiros dessas pessoas físicas (familyoffice), os bens e serviços relacionados à gestão serão considerados de uso e consumo pessoal.
§ 3º Não se consideram bens e serviços de uso ou consumo pessoal aqueles utilizados preponderantemente na atividade econômica do contribuinte, de acordo com os seguintes critérios:
I – os bens previstos nas alíneas “a” a “d” do inciso I do caputdeste artigo que sejam comercializados ou utilizados para a fabricação de bens a serem comercializados;
II – os bens previstos na alínea “e” do inciso I do caputdeste artigo que cumpram o disposto no inciso I deste parágrafo ou sejam utilizados por empresas de segurança;
III – os bens previstos na alínea “f” do inciso I do caputdeste artigo que cumpram o disposto no inciso I deste parágrafo ou sejam utilizados exclusivamente em estabelecimento físico pelos seus clientes;
IV – os bens e serviços previstos no inciso II do caputdeste artigo que consistam em: a) uniformes e fardamentos; b) equipamentos de proteção individual; c) alimentação e bebida não alcoólica disponibilizada no estabelecimento do contribuinte para seus empregados e administradores durante a jornada de trabalho; d) serviços de saúde disponibilizados no estabelecimento do contribuinte para seus empregados e administradores durante a jornada de trabalho; e) serviços de creche disponibilizados no estabelecimento do contribuinte para seus empregados e administradores durante a jornada de trabalho; f) serviços de planos de assistência à saúde e de fornecimento de vale-transporte, de vale-refeição e vale-alimentação destinados a empregados e seus dependentes em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo os créditos na aquisição desses serviços equivalentes aos respectivos débitos do fornecedor apurados e extintos de acordo com o disposto nos regimes específicos de planos de assistência à saúde e de serviços financeiros; g) benefícios educacionais a seus empregados e dependentes em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho, inclusive mediante concessão de bolsas de estudo ou de descontos na contraprestação, desde que esses benefícios sejam oferecidos a todos os empregados, autorizada a diferenciação em favor dos empregados de menor renda ou com maior núcleo familiar; e
V – outros bens e serviços que obedeçam a critérios estabelecidos no regulamento.
§ 4º Os bens e serviços que não estejam relacionados ao desenvolvimento de atividade econômica por pessoa física caracterizada como contribuinte do regime regular serão consideradas de uso ou consumo pessoal.
Nessa linha, depois de estabelecer os parâmetros legais do “uso ou consumo pessoal” da CBS e do IBS, o art. 57 da Lei Complementar n.º 214/2025 utiliza seus parágrafos finais (§ 5.º ao § 8.º) para estabelecer o regime jurídico dos bens e serviços submetidos a tal classificação: não geração de créditos e consequências.
Veja-se:
§ 5º Em relação aos bens e serviços de uso ou consumo pessoal de que trata este artigo, fica vedada a apropriação de créditos.
§ 6º Caso tenha havido a apropriação de créditos na aquisição de bens ou serviços de uso ou consumo pessoal, serão exigidos débitos em valores equivalentes aos dos créditos, com os acréscimos legais de que trata o § 2º do art. 29, calculados desde a data da apropriação.
§ 7º Na hipótese de fornecimento de bem do contribuinte para utilização temporária pelas pessoas físicas de que trata o inciso II do caputdeste artigo, serão exigidos débitos em valores equivalentes aos dos créditos, calculados proporcionalmente ao tempo de vida útil do bem em relação ao tempo utilizado pelo contribuinte, com os acréscimos legais de que trata o § 2º do art. 29, na forma do regulamento.
§ 8º O regulamento disporá sobre a forma de identificação da pessoa física destinatária dos bens e serviços de que trata este artigo.
Dessa forma, ao se considerar que o texto constitucional determinou que a não cumulatividade da CBS e do IBS só está limitada para aquisições de “uso ou consumo pessoal” estabelecidas pela própria CRFB/88 ou por lei complementar, parece-me que os marcos de tal “restrição tributária” estão estabelecidos nos textos acima transcritos, restando ao respectivo regulamento infra legal apenas a determinação dos procedimentos para a identificação de que trata o § 8.º do art. 57.
Enfim, certamente, está aqui o tema que entendo mais relevante para o contribuinte no trato da CBS e do IBS, seja pela alta amplitude de seu alcance, seja por sua importância econômica.
Vamos avante!!!