Créditos de ICMS sobre transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e a “verdade tributária brasileira”

A “verdade tributária brasileira” é o caos e a sua “segurança jurídica” é um sentimento.

O contexto é:

(i) em abril de 2023 o STF determinou ser inconstitucional a tributação por ICMS das operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (matriz e filiais);

(ii) em 01/11/2023 o Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) editou o Convênio ICMS n.º 174/2023, tornando obrigatória a transferência dos saldos credores dos estabelecimentos de origem para os estabelecimentos de destino das operações de transferência; e

(iii) em 16/22/2023 o Estado do Rio de Janeiro, por ato de seu governador, editou o Decreto n.º48.799 para NÃO ratificar o Convênio ICMS n.º 174/2023.

Parece contraditório, não é? O Estado do Rio de Janeiro, por seu Secretário de Fazenda, subscreve e constitui a determinação de um Convênio sobre ICMS e dias depois, por ato de seu Governador, subscreve e constitui outro ato jurídico determinando que não seguirá o Convênio que assinou. E essa “antinomia tributária” ganha intensidade quando se considera que a escolha do Secretário de Fazenda é feita pelo Governador.

Porém, não há contradição na situação acima e ela é uma síntese da “verdade tributária brasileira”, na qual há vários agentes normativos tributários que possuem os mesmos feixes de competência regulatória, organizados de maneira horizontal e vertical.

Ou seja, a “verdade tributária brasileira” é que se têm agentes normativos diferentes que podem regular um mesmo fato/assunto: (i) no mesmo nível de competência (de forma concorrentemente e horizontal) e (ii) em diferentes níveis de competência (de forma sobreposta e vertical) de maneira a normativizar a normativização já realizada por outros agentes.

Dessa forma, a análise combinatória das “possibilidades normativas tributárias brasileiras” deve levar em conta tanto as etapas horizontalmente possíveis para a regulação de dado tributo quanto suas cabíveis etapas verticais, de modo que cada agente competente pertinente é uma variante de cada etapa.

Assim, o contexto estrutural da “verdade tributária brasileira” tem:

  • múltiplos agentes normativos tributários com mesma competência, tanto para criar normas gerais e abstratas (função legislativa) quanto para criar as normas individuas e concretas (função administrativa e jurisdicional);
  • a alocação estrutural dessa variedade de agentes normativos dentro três grandes organizações (Legislativo, Executivo e Judiciário), cada qual com efeitos jurídicos característicos de seus atos normativos;
  • o exercício por agentes normativos de uma das organizações de função característica de outra organização normativa;
  • a “liberdade interpretativa” de cada agente normativo no exercício de sua competência reguladora; e
  • a estrutura democrática constitucional estabelecida sobre o questionamento (administrativo e judicial) das normas criadas pelos respectivos agentes competentes (gerais/abstratas e individuais/concretas).

Assim, partindo da organização normativa brasileira, verifica-se ser grande o número de etapas possíveis para a regulação tributária e em cada delas deve ser considerada as infinitas possibilidades interpretativas dos textos jurídicos (inatas a qualquer ato hermenêutico), tornando, portanto, o resultado concreto sobre uma dada situação tributária um evento, praticamente, imprevisível.

Dessa forma, a “verdade tributária brasileira” é o caos (na acepção física do termo) e a sua “segurança jurídica” é apenas um sentimento.

Vamos avante!!!

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